Visão embaçada, ardor e irritação nos olhos são alguns sintomas da doença, que acomete 24% da população brasileira.
Kátia Arima, Especial para o Estadão
20 de novembro de 2021 | 05h00
Nos últimos meses, o enfermeiro Wagner Esteves, de 46 anos, vinha sofrendo com dores nos olhos. “Eu sentia a pálpebra raspar e sensibilidade à luz, principalmente à noite”, conta. Decidiu procurar um oftalmologista, que diagnosticou a síndrome do olho seco, caracterizada pela diminuição da quantidade ou alteração da qualidade da lágrima. O médico explicou que, no caso dele, uma conjuntivite em 2006 pode ter desencadeado o problema, que foi agravado pelo ar-condicionado do hospital onde Esteves trabalha (que deixa o ar mais seco) e o uso prolongado de máscara, que direciona o ar quente da expiração para cima e resseca os olhos.
O enfermeiro Wagner Esteves foi diagnosticado com síndrome do olhos seco: excesso de tela, ar-condicionado e uso de máscara agravam o problema Foto: Alex Silva/Estadão
A síndrome do olho seco é comum e atinge 24% da população brasileira adulta, segundo o oftalmologista José Álvaro Pereira Gomes, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Quem tem essa doença tem alguma alteração na produção de lágrimas, em quantidade ou qualidade, o que traz sintomas como sensação como se tivesse areia nos olhos, dor, coceira ou ardor, sensibilidade à luz e alterações na visão. “A camada de lágrima é essencial para a saúde dos olhos, principalmente para a córnea, uma estrutura inervada que faz o papel de lente dos olhos”, diz o médico.
Há dois tipos de síndrome do olho seco, que podem coexistir, explica o professor Gomes. Um deles é o de deficiência aquosa, que acontece por conta da diminuição de produção de lágrimas. É o caso do consultor de empresas João Carlos Cabral de Barros, de 75 anos. “Sentia um desconforto nos olhos, que me dava vontade de coçar”, conta. O médico indicou a Barros o uso frequente de colírio hidratante, intervalos no trabalho ou na leitura para repouso dos olhos e uso de óculos escuros no sol.
Já o olho seco por deficiência aquosa pode ser causado por alterações hormonais decorrentes do envelhecimento como menopausa e andropausa, doenças reumatológicas e autoimunes, além de uso de medicamentos como antidepressivos, antialérgicos e anti-hipertensivos podem comprometer a produção das glândulas produtoras de lágrimas.
Mas a maioria dos casos (cerca de 66%) de olho seco é do tipo “evaporativo”, que acontece por conta de alterações nas pálpebras ou disfunção nas glândulas de meibomius, que secretam gordura na borda das pálpebras, entre outras razões que levam à evaporação mais rápida das lágrimas. O psiquiatra Bruno Coelho Mendonça, de 44 anos, descobriu que a secreção dessas glândulas, mais espessa que o normal, era uma das causas do seu olho seco. A oftalmologista dele recomendou a limpeza frequente das pálpebras
“Uso um cotonete molhado com um medicamento para limpar a área próxima aos cílios e uso colírio lubrificante ao longo do dia. Se deixo de fazer isso, voltam os sintomas de olho seco, como o ardor e sensação de como tivesse areia nos olhos”, diz.
A limpeza das pálpebras pode ser feita com sabonete neutro e é recomendável para todos, já que maquiagem, cosméticos, protetores solares e outros produtos podem obstruir a desembocadura das glândulas de meibomius. “Se essa glândula ficar entupida, a camada de gordura que protege a camada aquosa do filme lacrimal fica comprometida e a lágrima evapora em poucos segundos. Peça para o seu médico ensinar a fazer essa limpeza”, recomenda o oftalmologista Richard Yudi Hida, especialista em tratamento de olho seco.
‘Diante das telas, piscamos menos, o que cria uma situação de maior evaporação da lágrima’
Eduardo Melani Rocha, Professor da USP
Mendonça percebe que o uso intenso de telas, o clima seco e a poluição pioram os sintomas de olho seco. “Quando viajo para a praia ou para o interior, eu melhoro”, conta. Fatores ambientais e comportamentais podem agravar o problema, confirma o oftalmologista Eduardo Melani Rocha, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP).
“Diante das telas, piscamos menos, o que cria uma situação de maior evaporação da lágrima. Se estamos diante das telas com mais frequência, seja por trabalho ou lazer, o olho seco pode ficar crônico”, diz. Segundo o professor, no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP), o olho seco é uma razão frequente de visitas de pacientes.
Na pandemia, o uso mais intenso das telas e a adoção de máscara agravaram o problema do olho seco na população, percebeu o professor José Álvaro Pereira Gomes, da Unifesp. “Ficar mais que oito horas na frente de uma tela aumenta as chances de ter sintomas de olho seco. O ideal é ficar até duas horas ou, se não for possível sair da frente das telas, fazer pausas a cada 20 minutos”, recomenda. Segundo ele, é significativo o número de jovens que vem apresentando os sintomas da doença, provavelmente por conta do uso intenso das telas.
Quais são os principais tratamentos para a Síndrome do olho seco?
A maioria dos casos da síndrome do olho seco (70%) é leve, segundo o professor Gomes, mas o agravamento da doença pode levar a inflamações e até a perda de visão. Portanto, é preciso recorrer a um bom oftalmologista quando os sintomas aparecerem, para ter um diagnóstico correto e tratamento adequado – há diversas formas de tratar o olho seco como o uso de colírios de “lágrimas artificiais”, uso de lentes e óculos especiais, cirurgia e adoção de plugues ou cauterização para oclusão de canais lacrimais.
O agravamento do olho seco forçou o analista de sistemas Diogo Pereira, de 30 anos, a se afastar do trabalho por alguns dias, por conta das dores, em 2020. “Eu não conseguia mais trabalhar, ficou insuportável. Ardia, eu sentia que tinha algo arranhando os olhos. Foi uma crise severa que surgiu após uma conjuntivite que não só me incomodava, mas também me assustava”, conta.
Preocupado, ele passou por três oftalmologistas, mas não conseguiu resolver o problema. “Me prescreveram colírios de lágrima, pomadas com corticoide, antibióticos. Colocaram um plugue no canal lacrimal para evitar a drenagem de lágrima. Nada funcionou”, recorda-se. No fim do ano passado, ele finalmente conseguiu acertar o tratamento com o uso de um soro preparado a partir de seu próprio sangue. “Ainda sinto dor, mas melhorou”, afirma Diogo, que também busca fazer pausas nas suas longas jornadas de trabalho na frente do monitor, no uso de redes sociais no celular e na diversão com o videogame.
Sete cuidados com a saúde dos seus olhos
- Descanse das telas: se você está trabalhando na frente do computador ou usando o celular por longos períodos, faça pausas a cada 20 minutos – pisque várias vezes e olhe para um ponto a mais de 6 metros de distância, para mudar o foco da visão;
- Máscara certa: se você usa máscara por longos períodos, prefira aquela com clipe nasal ou que tenha uma boa vedação na parte de cima, para evitar que o ar quente da respiração resseque os seus olhos;
- Monitor bem posicionado: procure posicionar o monitor de forma a ficar com o olhar para baixo e, assim, ficar com as pálpebras mais fechadas. Com os olhos menos abertos, as lágrimas demoram mais para evaporar;
- Sono bom: valorize as suas horas de sono, que também são importantes para a saúde dos olhos. Quem dorme pouco está mais sujeito a ter a doença do olho seco;
- Limpeza das pálpebras: pelo menos três vezes por semana, faça uma espuma com sabão neutro e limpe as pálpebras e cílios com ajuda de uma gaze, evitando deixar o sabão entrar no olho. Enxágue bem, com água em abundância;
- Dieta rica em ômega 3: consuma alimentos com ômega 3, como peixes, frutos do mar, nozes e sementes como linhaça e chia. Essa “gordura boa” ajuda a melhorar a qualidade da lágrima.
- Colírio hidratante: converse com o seu oftalmologista sobre o uso do colírio lubrificante, que funciona como uma lágrima artificial. Se o uso for constante, é preciso que ele não tenha conservantes, pois esse componente pode irritar o olho.
Como procurar ajuda
A consulta com um médico oftalmologista é fundamental para um diagnóstico preciso e para definir o melhor tratamento.
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Autores:
Dr. José Alvaro Pereira Gomes
Oftalmologia Clínica e Cirúrgica
CRM-SP: 66.306
Dra. Andrea Kfouri Pereira Gomes
Oftalmologia Clínica e Cirúrgica
CRM-SP: 67.382
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